Uma coisa que aprendi com a Bíblia é que Jesus tinha prazer em conviver com as pessoas com as quais a maioria de nós teríamos ressalvas ou desejaríamos distância.
Jesus andou com pescadores pobres e ignorantes (At. 4.13), conversava com mulheres (inclusive samaritana! Jo. 4) e até com cobradores de impostos (Lc.19.1-10). Pessoas com as quais a classe judaica da época tinha ojeriza e queria distância. E não pouparam Jesus das críticas por isso (Mt.11.16-19).
Mas apesar de Jesus nos deixar seu exemplo, por muito tempo os cristãos e a Igreja fizeram justamente o contrário. Nos cercamos de pessoas que admiramos e temos prazer em conviver, enquanto os considerados chatos e desagradáveis eram estimulados a procurarem outro lugar para congregar ou eram expulsos sumariamente com a desculpa de não se adequarem às regras. Transformamos a Igreja Cristã (pelo menos em teoria) numa comunidade onde só os ditos "santos" poderiam fazer parte. Como se não houvesse desavença ou discordâncias entre a membresia e todos "tinham tudo em comum". Nada mais equivocado.
Hoje percebemos uma certa tensão no ar entre os membros devido a essa imagem distorcida da Igreja, porque viram que essa ideia de uma assembleia composta de pessoas santas e perfeitas, além de uma utopia, é na verdade antibíblica. Muitos abandonaram a Igreja por se sentirem enganados pela hipocrisia dos outros ou pela própria vida de mentiram que levavam. Não tiveram coragem de levantar uma voz crítica ou posições dissonantes por medo de serem taxadas como rebeldes ou desobedientes à visão ou a autoridade do líder.
Hoje vivem ressentidos com a religião, Igreja, crentes ou qualquer coisa que os lembre desse passado. Querem distância de uma Igreja ou de qualquer coisa relaciona a Deus e Jesus, como se o próprio Jesus fosse o autor dessa mágoa.
Mas não é só na igreja que as pessoas vivem ressentidas. Hoje não conseguimos lidar com o contraditório. Num país cada vez mais polarizado politicamente, não aceitamos outra visão política que não seja a nossa. Pessoas deixaram de conviver ou falar com amigos e até parentes por expressarem uma ideologia ou cosmovisão diferente. Basta uma visita rápida as redes sociais e você verá vários depoimentos criticando aqueles que se posicionam politicamente diferente de suas opiniões. Julgam os outros pelo voto. Como se o voto fosse um endosso pro político fazer o que bem entender. O clima anda cada vez mais pesado. A convivência com os que pensam diferente ficou mais complicada depois que as redes sociais nos fecharam em bolhas com pessoas que pensam parecidas umas com as outras. Não há mais espaço para o contraditório. E assim vamos caminhando sem aceitar uns aos outros. Ressentidos e magoados com aqueles que tem ideias diferentes de nós como se este fosse errado pelo simples fato de ter ideias de mundo diferente das nossas.
Na Bíblia há um personagem que também demonstrou todo seu ressentimento e mágoa ao tentar fugir de uma ordem divina. Deus ordenou que Jonas fosse à grande cidade de Nínive pregar arrependimento mas este preferiu fugir da presença de Deus descendo à Jope para pegar um navio para Társis. No meio do caminho, Deus enviou uma tempestade. Jonas dormia enquanto o restante da tripulação estava agonizando com medo de perder suas vidas. Por fim, Jonas os convence a jogarem ele no mar para dar cabo da tempestade e creio também, da sua própria vida. Creio que ele pensava que uma vez no meio do oceano, Deus esqueceria que ele existia e escolheria outro para concluir a missão. Ao invés disso, Deus enviou um grande peixe que engoliu Jonas e este ficou em seu interior por 3 dias e 3 noites. E foi nesse período que escreveu um dos salmos mais lindos da Bíblia. (Ao Senhor pertence a salvação!)
Deus resolve dar uma nova oportunidade ao profeta. Dessa vez, ele obedece. E por conta da sua pregação, toda Nínive se arrepende. A ponto de até os animais fazerem jejuns! E aí fica explícito o ressentimento de Jonas. Ao invés de celebrar a salvação de toda aquela gente, ele se aborrece e deseja morrer. Ainda esperava que Deus destruísse toda a cidade mesmo depois de demonstrarem arrependimento. O profeta resolveu construir um abrigo e sentou-se aguardando ansiosamente para ver o que ia acontecer (Jn. 4.5).
Como Jonas, hoje na Igreja há vários crentes ressentidos, magoados e rancorosos com aqueles que são perdoados por Deus depois de praticarem alguma maldade. Se tornaram vingativos e insensíveis. Por trás de um falso sentimento de justiça habita na verdade uma pessoa presunçosa, egoísta e vingativa. Só pensam em si e se acham superiores aos outros, como o publicano na parábola de Jesus (Lc.19.9-14).
Hoje a igreja está cheia de irmãos do filho pródigo que se arrependeu e voltou para os braços do pai. Ao invés de celebrarem a salvação e o arrependimento do irmão, demonstram todo seu ressentimento pela festa dada pelo retorno deste. Não conseguem aturar o fato de que os céus estão celebrando a vida de alguém que até tempos atrás, pouco se importava com seu estilo de vida ou pelo mal feito com seus parentes e amigos. Não toleram o amor incondicional do pai pelo filho rebelde que despertou do sono ou da cegueira espiritual. Para este tipo de crente, seria necessário um período de castigo até que o irmão fosse absolvido e incorporado ao convívio familiar. Merecia receber umas boas palmadas. Quem sabe até algumas chicotadas para aprender a valorizar a família e a autoridade patriarcal.
E a pergunta que Deus fez a Jonas é válida para o dia de hoje: é razoável esse seu ressentimento?
Já pensou se Deus agisse com você da mesma maneira que você age com os outros? Já imaginou Deus te cobrando com o mesmo ímpeto que você utiliza para aqueles que você julga indigno? Na verdade é isso que acontecerá mas parece que boa parte dos que se dizem cristão não atentaram para isso (Mt. 7.2) ou será que esqueceram a parte da oração mais famosa da Bíblia ensinada por Jesus? "perdoa as nossas ofensas, assim como nós perdoamos quem nos tem ofendido..." Ou seja, Deus irá agir com você da mesma maneira que você tem agido com os outros. Deus irá perdoar as suas dívidas da mesma maneira que você tem perdoado os seus devedores. Esse seu ressentimento continua razoável? Não acha melhor mudar de ideia?
O fato é que o senso de justiça de Jesus é diferente do nosso (graças à Deus por isso!). Se o senso de justiça de Deus fosse o mesmo que o nosso, dificilmente alcançaríamos misericórdia e perdão vindo do céu. Estaríamos fadados ao inferno!
Mas graças à Deus (novamente!) que suas misericórdias não são para quem merece mas para aqueles que precisam (Mt. 9.12-13). Jesus deixou explícito na parábola do filho pródigo que ele veio salvar aquele que havia se perdido. Que é impossível para um pai dar as costas para um filho arrependido, independente do que ele tenha feito. E que o seu irmão rancoroso não precisava de nada daquilo porque este sempre estava na presença do seu pai. Vivendo com ele, desfrutando dos seus pertences e da sua autoridade. Nunca tinha se afastado dela, logo, como usufruir de perdão ou de uma festa por um ato de arrependimento?
Assim como esse irmão, Jonas também não conseguia acreditar que toda aquela cidade de Nínive seria salva depois de tudo que fizeram contra Deus e o seu povo. Quem ousa confrontar o Senhor dos Exércitos e sair ileso? Mas não era justiça divina que Jonas desejava. Seu único anseio era a vingança! E seu ressentimento era tão forte que este desejou morrer a ver a cidade salva!
Repare no declínio espiritual que a vida de Jonas expressa. Após se afastar da palavra de Deus, este desceu a Jope, depois desceu ao porão do navio, depois desceu à barriga do peixe e por fim se transformou num vômito! Por não dar ouvidos a voz de Deus, sua vida foi queda livre. Só descia! Além disso, seus valores foram totalmente distorcidos a ponto de ter mais consideração por uma árvore do que por mais de 150 mil vidas!
Com isso, desejo que você não dê ouvidos ao seu coração pois este é enganoso. Ouça o Espírito Santo e seja livre de toda mágoa que tenha sofrido. Não deseje aos outros aquilo que você não gostaria de receber da parte de Deus. Seja liberto de todo rancor e ressentimento. Procure aquele irmão ou irmã que você acha que te decepcionou e peça perdão e veja o maravilhoso agir de Deus na sua vida! Aprenda a conviver com as vozes dissonantes ou críticas. Aceite o contraditório. Julgue todas as coisas e retenha as que são boas. Não seja como Jonas! Ore por aqueles que você ache indigno de ser alcançado pelo Evangelho porque são esses que Jesus veio buscar. São esses que Ele deseja incluir na família chamada Igreja. Precisamos aprender a conviver com aqueles que tem visões diferentes de mundo ou que não achamos dignos de usufruir do perdão do Pai. Se Deus teve misericórdia de uma cidade idólatra e rebelde como Nínive, imagina dos filhos que se arrependeram e resolveram buscar para o seu convívio? Seja livre!